Posted by on jun 29, 2010 in Destaque, Notícias | 0 comments

Fonte: Observatório da Educação

Atenção, abrir em uma nova janela.

 

Elie Ganem, professor da Faculdade de Educação da USP, esteve nas plenárias da Conferência de Educação de São Paulo e acompanhou o processo de plenárias regionais. Em entrevista para o Observatório da Educação, o pesquisador avalia que o mais importante resultado da Conferência não foi o documento em si, que servirá de base para o Plano de Educação da cidade, a ser encaminhado à Câmara Municipal.

 

Para ele, a maior contribuição da Conferência para a melhoria da educação foi o próprio processo de participação e formulação das propostas. “É o fato de as pessoas terem a oportunidade de se deterem sobre aspectos sérios da nossa educação, identificar dificuldades e formular propostas. É um aprendizado importantíssimo e necessário”, afirma.

 

Confira a entrevista:

 

Observatório da Educação – Como o senhor avalia a Conferência?

 

Elie Ghanem – Eu penso que houve um processo de elaboração participativa de um plano de educação para a cidade. Isto é saudável, porque não é da nossa tradição lidar com planos de educação de longo prazo. Geralmente o assunto fica a critério dos governantes, de maneira arbitrária, apesar de ser interesse de todas as pessoas. A iniciativa rompe com todas as nossas práticas anteriores. O último plano é do final dos anos 70, durante o governo de Olavo Setúbal.

 

Por tudo isso, o fato de a prefeitura ter sido sensível às pressões da sociedade civil para convocar um processo de elaboração ampliado é algo muito positivo. Contudo, muito limitado. Particularmente o município de São Paulo exige que esse processo, de amplo conhecimento, fosse divulgado por meios de grande alcance, de massa, sobretudo a TV e o rádio. São Paulo é o maior município da América do Sul, era preciso que todas as pessoas ficassem sabendo, e não foi assim que ocorreu. A divulgação do processo se deu praticamente toda nos estabelecimentos da prefeitura, muito fragilmente circulou em outros estabelecimentos escolares estaduais e o resto não foi alcançado.

 

Foram cerca de duas mil reuniões que ocorreram durante o processo no município, mas que, comparando com o porte da cidade, ainda é muito pouco. Esses encontros produziram uma grande quantidade de propostas, que foram sistematizadas num período muito curto. E ao mesmo tempo, o período da Conferência, que serviria para deliberar essas propostas, foi um momento muito angustiante, porque a variedade de aspectos a serem abordados e a quantidade de propostas eram tão grandes que demandariam um debate mais sereno, mais vagaroso. Foi só um dia e meio dedicado à deliberação, o que não foi muito produtivo.

 

Observatório – Qual a perspectiva para o documento que sai da Conferência?

 

Elie – A perspectiva é de que o plano seja aprovado na forma de uma lei municipal. Quanto a isso, eu tenho duas observações para registrar. Uma é que, do meu ponto de vista, o principal produto deste processo é o processo em si, não o texto dessas propostas. É ter havido a convocação, o envolvimento, a iniciativa de muitas organizações, é terem ocorridos essas duas mil reuniões. É o fato de as pessoas terem a oportunidade de se deterem sobre aspectos sérios da nossa educação, identificar dificuldades e formular propostas. É um aprendizado importantíssimo e necessário. Só lamento que isso tenha sido aproveitado por um conjunto comparativamente pequeno de pessoas, considerando a população da cidade.

 

O outro aspecto que quero ressaltar é que fica posto um desafio para a Câmara [de Vereadores] de redigir uma lei que aprove o plano que não seja inflexível. Em certo sentido, um plano de ação é contraditório como uma lei. Eu acho que o plano não deve ter uma lei. Elas são inflexíveis pela sua própria natureza, ela determina que algo não possa ser feito ou obrigatoriamente tem que ser feito. Um plano de ação tem que ter maleabilidade para realizar-se de maneira adequada ao andamento das coisas. Eu espero que ela seja redigida de uma maneira a viabilizar a revisão periódica do plano.

 

Observatório – Fora a falta de tempo, como o senhor avalia o formato da Conferência?

Elie – Eu entendo que esse formato não é bom em alguns aspectos. Eu acho que ele requer um esforço muito elevado de atenção em pouco tempo, para o qual somente pessoas de alto engajamento estão dispostas, geralmente militantes de organizações e partidos. O formato da Conferência foi muito semelhante a congressos sindicais, onde os integrantes desses grupos tradicionalmente disputam.

 

Precisaríamos de um formato que viabilizasse a participação das pessoas comuns, que não estão acostumadas a participar acirradamente das deliberações. A conferência não deveria se resumir a um final de semana. Precisaríamos pensar em outras formas.

 

Observatório – Das propostas aprovadas, qual o senhor destacaria?

 

Elie – Uma das muitas que foram aprovadas é a decisão de dispor a educação infantil por meio de estabelecimentos via administração direta da prefeitura. A expansão da cobertura da educação infantil ocorreu aceleradamente por meio de convênios com organizações particulares, com terceirização, área de educação infantil, as antigas creches. E a conferência deliberou pelo sentido oposto, que esses convênios fossem feitos em caráter emergencial e que dessem lugar aos serviços públicos oficiais. É uma decisão muito importante.

 

Observatório – E a Câmara dos Vereadores vai aprovar propostas como essa?

 

Elie – A Câmara é soberana. Eles são democraticamente eleitos e podem alterar o que foi produzido. Mas, ao mesmo tempo a Câmara está desafiada a ser fiel aquilo que foi aprovado, precisará dar uma forma viável àquilo que foi aprovado. Ela pode não ser capaz. Ela pode contrariar o sentido do que foi aprovado e pode não dar uma forma que viabilize a realização do plano. Vai da capacidade e da orientação das bancadas da Câmara.